Museu da Vista Alegre


Durante um fantástico fim-de-semana em Ílhavo tive o privilégio de conhecer o Museu da Vista Alegre, em visita conduzida pelo diretor do Hotel Montebelo Vista Alegre, Dr. António Machado Matos, e acompanhada, para além do meu marido , pelos meus Amigos Ana Isabel Duarte e Fernando Seara a quem pedi que me fizesse um texto para acompanhar as fotos que tirei.
Deixo-vos com o magnífico texto que escreveu e que muito agradeço.



Texto de Fernando Seara

MUSEU DA VISTA ALEGRE

A Fábrica da Vista Alegre iniciou a sua atividade em 1824, num tempo complexo da vida política em Portugal. Em 24 de Agosto de 1820, no Porto, desencadeia- se uma Revolução que marca uma viragem e surge uma Constituição - a de 1822 - que nasce à margem do Rei, D. João VI, que, aliás, continuava no Brasil. De 1820 a 1826 Portugal vive tempos de grande e grave tensão política - e social - numa disputa intensa entre D. Pedro e D. Miguel, entre liberais e absolutistas. O Brasil em 1822 declara unilateralmente a independência e, logo, deixa de existir como colónia quando quase toda a economia vivia na dependência do denominado esquema colonial. Do Brasil vinham, por excelência, o açúcar, o café e o ouro. O ouro evidencio! E é neste quadro que a 1 de Julho de 1824 por "provisão régia" se autorizava, nas redondezas de ílhavo, o "estabelecimento da Fábrica da Vista Alegre para louça, porcelana, vidraria e processos químicos". Ali está hoje a Fábrica modernizada e um Museu que é um marco histórico e que nos ajuda a percorrer quase duzentos anos de prazer e, diga-se, de algumas dores. É que a Vista Alegre assume, como ela própria o escreve, desde o seu começo uma dimensão inovadora de organização fabril e estratégia própria no marketing dos seus produtos, constituindo-se a partir de capitais do seu fundador, José Ferreira Pinto Basto. Com escreve Maria Filomena Mónica, no seu último e bem interessante livro - Os Ricos - Pinto Basto, era "o patriarca de uma família riquíssima, com interesses na agricultura, no comércio de vinhos e no contrato de tabacos. Em 1881 a fábrica tinha 179 operários e era administrada por um dos netos, Duarte Ferreira Pinto. O trabalho era quase todo manual; apenas se utilizava uma máquina a vapor, de 14cv, para moer as matérias primas. Os serviços de louça pintados à mão, eram feitos, na maioria dos casos, por encomenda e tinham uma venda assegurada."

A partir de 1824 além de produzir vidro a Vista Alegre começou a fabricar louça de pó de pedra, faiança fina, a imitar porcelana, muito apreciada em Inglaterra. Com crescente atratividade para este tipo de produtos em razão de novas e múltiplas procuras que a sedimentação do capitalismo e do poder de compra nas cidades suscitava. E sabendo nós que os segredos do fabrico da porcelana têm origem na China entendemos, também, um conjunto de linhas de continuidade no evoluir da história da humanidade. Já Miguel de Cervantes, no imortal Dom Quixote, nos dizia que "a história é émula do tempo, repositório dos factos, testemunha do passado, exemplo do presente, advertência do futuro".

Tudo isto se sente ao longo do Museu da Vista Alegre. De uma visita que exige tempo. Em que aprende e muito, em particular com o Doutor Machado de Matos. O forno, as peças de vidro lapidado, as porcelanas que retratam figuras imortais, os serviços que encheram com brilho almoços e jantares de gigantes do Mundo. Ali estão produtos de luxo e ali estão, agora, produtos que engrandecem Portugal numa cultura industrial que, neste tempo, sob a firme liderança da Visabeira, leva a Vista Alegre a ser reconhecida como uma marca global de excelência. E o que é interessante é que, agora, esta mesma empresa originária de Viseu adquiriu outra marca de referência, a Bordalo, associando as cores da Vista Alegre ao verde original da Bordalo e que nos leva sempre ao repertório das artes plásticas do século XIX português. E recordamos, assim, essa peça emblemática e que é um verdadeiro "porta voz" do povo português, o Zé Povinho. E acreditem basta sair do Museu e entrar na loja das Bordalo e que nos leva, hoje como ontem, às astúcias, aos interesses e aos danos das várias políticas no seu dia a dia. E nos ditos e feitos de cada imagem está o juízo histórico do nosso tempo, do próprio tempo!

Permitam-me um desafio. Entrem no Museu da Vista Alegre. Olhem para as vitrinas e para as paredes. Para as figuras e para as cores. Para a história com história. Sabendo que em 2024 - faltam apenas seis anos! - celebrará duzentos anos de muita história, de peças únicas, de cores atrativas, de múltiplos encontros com o Oriente, de aguarelas deslumbrantes, de copos, jarras, pratos, chávenas, terrinas, taças e fruteiros emblemáticas, de pinturas marcantes, de memórias de encomendas personalizadas de grandes Senhoras e Senhores deste nosso Mundo. E, assim, bem perto de Aveiro, ali em ílhavo, se tem - e se honra - em português uma Vista Alegre. Museu de história e de "estórias ". Museu repositório de um tempo de industrialização em Portugal. Museu que testemunha momentos de ruturas políticas e sociais em Portugal e, por excelência, a independência marcante do Brasil. Museu que é um exemplo do dinamismo contemporâneo de uma empresa nascida no interior de Portugal e que se soube, com ousadia, projetar no Mundo, a Visabeira. Museu que nos adverte que o futuro implica e determina conhecimento do que temos e saudação à originalidade que em cada instante os homens e mulheres do presente concebem para a eterna Vista Alegre. Com a certeza que saímos do Museu com um misto de surpresa e de admiração. Sentindo que já o devíamos ter visitado. Agora importa, sim, revisitá-lo! Bem antes de a Vista Alegre comemorar 200 anos de história. E aqui a história não precisa de se justificar. Só regista. Um marco e uma marca.

De Portugal!!!